Há dias em que o desassossego começa com o toque do despertador a suspender um sonho daqueles que ninguém gosta de ver interrompido. Fica-se em estado pendurado, sem chão debaixo dos pés e quase a esbracejar numa tentativa de guiar as asas que não se têm e aterrar precisamente no tempo e local onde a cena se desenrolava milésimos de segundos antes daquela toada chilreante saída do aparelho multifunções que também dá para fazer e receber comunicações telefónicas e, pior, fica-se sem saber as cenas seguintes daquele episódio cheio de acção e mistério, aquela expectativa do restante desenrolar de acontecimentos onde umas vezes até se é um dos protagonistas da situação e outras um personagem com menor importância na história ou até mesmo um simples figurante. Prime-se um botão e corta-se aquele som que nos grita aos ouvidos anunciando a luz do novo dia dando-lhe ordem para lembrar daí a cinco minutos que o sol já acordou e os passarinhos também e o corre-corre fora dos lençóis já começou há muito para muitas gentes. Dá-se o corpo à arte de embrenhar por entre a roupa da cama e as almofadas na tentativa de pegar no fio perdido daquela ilusão que há momentos se vivia como realidade e, o fio já não é recto nem curvilíneo e transforma-se num novelo cheio de pontas soltas. Os passarinhos ao lado da cabeceira da cama voltam a chilrear e embaraçam-se naquele novelo despontado. A ilusão e a realidade envolvem-se indiscretamente e a luta debaixo do agasalho mantém-se firme mas confusa. O mundo gira lá fora e o corpo e mente adormecidos começam por dar tréguas cedendo ao êxtase. A custo, estende-se um braço apalpando sobre os abafos e lá se encontra o aparelho multifunções que naquele turbilhão quase se tinha perdido. Prime-se-lhe no vermelho e os passarinhos espantam-se e fogem, calam-se até ao dia seguinte à mesma hora.
Que estranho!... Será que vão sonhar para outro lado?... O dia começou, com o desassossego do sonho não ter tido um final feliz.
Poderá um sonho ter fim?
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