... mas só porque de manhã está um briol do catano e uma camadona de geada, não quer dizer que eu tenha que me enrolar numa camisola de gola alta e mais num casacão de lã, tudo ultra quente!
O clima no interior da tasca é tropical. Da janela avista-se o manto de gelo que cobre os campos e os carros que pernoitam na garagem estrela. Os graciosos feixes de sol iluminam o dia que amanhece tranquilo. Os passaritos esvoaçam loucos em busca das migalhas que lhes atirei pela janela na noite anterior. Ouvem-se portas e portões a abrir e a fechar. Vizinhos que saem para mais um dia de jornada. Os miaus assistem, à janela, atentos, a todos os movimentos. Cá dentro começa a rotina, silenciosa, que só quebra com o original tilintar dos sininhos pendurados na porta de entrada e quando ela se fecha depois de alguém sair.
- Meninos! A Mãe Bela vai sair! Até logo e portem-se bem!
Desço à garagem e sinto algum incómodo ao entrar na latinha. Com alguma dificuldade, pouso a tralha que me acompanha no banco do passageiro. Chave na ignição, portão a abrir, manobra para sair e... abro o vidro.
- Brrrrr!!! Ca frio!!! Oh mas até sabe bem!!!
O dia começa com paragens aqui, ali e acolá. O sol, já alto, derrete o gelo e mostra o verde dos campos. Os vidros dos carros que se cruzam comigo já não têm gelo, mas vão meio embaciados. Eu, de janela aberta. Um entra e sai do carro que sabe bem.
- Hummm... gosto disto!
A última volta do dia tinha que ser na catedral do consumo cá do burgo. Só a necessidade de ajuda técnica para a resolução de uma avaria de um equipamento electrónico de uso profissional e em garantia me fazia ir a tal local. E fui. E ralei-me para lá chegar. E desesperei para estacionar.
- Xiça pah! Mas esta gente é maluca?! Um dia tão lindo e vem tudo para aqui?!
- Xiça pah! Mas porque é que esta gente não fica em casa à lareira?! Ou porque não vão antes passear ao ar livre?! A pé?! De bicicleta?! De patins?!
- Xiça pah! Mas porque raio não vão ver o mar?!
Xiças pah em catadupa enquanto dava voltas e mais voltas para encontrar um espacinho, só um espacinho, para enfiar a minha latinha. O desespero instalara-se em mim. A paciência ameaçava esgotar-se. O sol transformara-se em nuvens carregadas de impropérios e dos poros da casca desta cenoura em estado de nervos, escorria suor...
- Xiça pah! Que calor!
Lá se enfiou a latinha num espacito apertadito e da bagageira saíu o objecto alvo de intervenção que teve que ser carregado corredor e escadas rolantes acima por entre desvios de amontoados de gente.
- Xiça pah! Mas onde raio se meteu a p*ta da crise?!
Deu-me vontade de chamar por ela, gritar a plenos pulmões a ver se essa desgraçada aparecia e punha ordem naquilo, mas... de repente, pensei:
- Xiça pah! A gaja já deve ter bazado daqui p'ra fora... Ou será que anda por aqui, disfarçada, a aproveitar os saldos?!?!
Cheguei ao local. De mangas e golas arregaçadas.
- Xiça pah! Que calor!
Fui atendida e a avaria não foi resolvida. Fui informada de que a marca tem assistência ao domicílio e que resolve o assunto na hora, basta um telefonema e o agendamento de dia e hora. E fiz o percurso de volta ao estacionamento, com o peso do equipamento e o da ira que me acompanhava. Deixei o Xiça pah na loja e trouxe uma palavra obscena que me escoltou até chegar à tasca.
- Meninos! Cheguei!
- Miau miau! Remiau... renhaunhaunhau! *
- Xiça pah! **
Moral do dia: Cenourita Maria, mesmo que o frio aperte, veste uma roupinha mais fresquita e aconchega-te com um casaquinho quente pela manhã... torna-se tudo um bocadinho mais fácil para o resto do dia!
* olá Mãe Bela! Isso é que é calor...
** ????? (não posso repetir javardices à frente deles que eles são miaus bem educadinhos)